Certo lavrador rico e abastado, depois de haver mantido o filho alguns
anos em Paris, mandou-o vir, a conselho do seu cura. Quando ele chegou,
o pai, que já era velho, sentiu-se alegre em revê-lo, e não
deixou de mandar imediatamente convidar o senhor cura a jantar, para assim
festejarem o filho. Veio o cura, viu o mancebo e disse:
- Bem-vindo seja, meu amigo; estou muito contente em vê-lo. Tratemos
primeiro de jantar, e depois conversaremos.
Jantaram muito bem.
Após o jantar, disse o pai ao cura:
- Senhor cura, vede esse rapaz; fi-lo vir de Paris, segundo vosso conselho.
Na próxima Candelária (festa de apresentação
de Nosso Senhor no Templo e da purificação da Virgem) vai
fazer três anos que ele foi. Muito gostaria de saber se aproveitou
alguma coisa, mas tenho grande receio de que não dê para nada.
Queria fazer dele um padre. Peço-vos, senhor cura, que lhes façais
umas perguntas para ver como ele empregou o tempo.
- Pois não, meu compadre – disse o cura. – Eu o farei por amor
de vós.
E logo, em presença do bom homem, chamou junto a si o mancebo.
- Ora pois – disse -, seus lentes de Paris são grande latinistas;
quero ver como eles lhe ensinaram. Seu pai quer fazê-lo padre, e
isso muito me alegra; mas diga-me lá “um padre” em latim; deve sabê-lo
bem!
O mancebo respondeu:
- Sacerdos.
- Está bem – disse o cura – não fica muito mal, pois
está escrito: Ecce sacerdos magnus (eis o grande sacerdote) mas
prestolus (termo de latim macarrônico, depreciativo de padre) é
muito mais elegante e mais próprio pois, como bem sabe, o padre
usa a estola. Ora pois, diga-me, em latim, “um gato”.
O cura estava vendo o gato ao longo da lareira.
Respondeu o moço:
- Catus, felis, murilegus (murilegus significa “pega camundongo”).
Para dar a entender ao velho que sabia muito mais do que os lentes
de paris, disse o cura ao mancebo:
- Meu amigo, estou certo de que os seus professores lhe ensinaram assim;
mas há uma palavra melhor: mitis (suave, manso. O cura parece não
ligar a palavra ao latim catamitus – francês chattemite), que nada
tem ver com “gato”(chat ou chatte), mas significa ‘homem efeminado’) pois
bem sabe que não há nada tão manso como um gato; tanto
assim que a cauda, que é tão macia ao tato, se chama suavis.
Ora pois, como é “fogo” em latim?
- Ignis.
- Não, não – disse o cura. – É gaudium, pois que
o fogo alegra. Não vê como estamos bem aqui, ao pé
do fogo? Ora pois, “água”, como se diz em latim?
- Aqua.
- É muito melhor dizer abundantia – contraveio o cura -, pois,
como sabe, não há coisa mais abundante que a água.
Ora pois, e “leito”?
O moço responde:
- Lectus.
- Lectus? – diz o cura – Isto é latim muito vulgar; não
há menino que não diga o mesmo. Não sabe outra forma?
O moço responde:
- Thorus.
- Ainda não chegou lá – objetou o cura – Não sabe
outra?
O moço responde:
- Cubile.
- Ainda não chegou lá.
Por fim, quando o mancebo não tinha mais que lhe responder,
disse o cura:
- Em latim, “leito” – por São João! Vou dizê-lo
– é requies, meu amigo, porque nele se dorme e se repousa.
Enquanto o cura assim interrogava o moço com seus ora pois,
o pobre pai não mostrava boa cara, e veio-lhe o desejo de bater
no filho, e pensava ter perdido o seu dinheiro. Porém o cura, vendo-o
enojado, disse:
- Não, não não, compadre, ele não aproveitou
mal; estou certo que lhe ensinaram assim como diz. Ele não responde
muito mal, porém há latim e latim! Eu conheço palavras
que eles em Paris nunca ouviram falar. Mandai-me o rapaz de quando em quando.
Hei de ensinar-lhe coisas que ainda não sabe; e o compadre verá
que em menos de três meses o terei tornado muito outro do que agora
é.
Entretanto o mancebo nada ousava replicar, pois era tímido e
envergonhado; mas nem por isso o caso o preocupava menos. Dali a alguns
dias, o cura mandou matar um porquinho gordo e convidou a jantar o pobre
pai, para lhe dar carnes grelhadas e morcelas, recomendando-lhe que não
deixasse de trazer o filho. Foram e jantaram. O mancebo, que guardara bem
o latim que lhe havia ensinado o cura, e tinha já concebido a maneira
de o pôr em prática, - sendo o primeiro a levanta-se da mesa,
vai calmamente buscar o gato e, atando-lhe à cauda um molho de palha,
ateia fogo à palha com um fósforo e lá deixa o gato,
que deitou a fugir como se tivesse o fogo no traseiro. O primeiro lugar
onde ele se abrigou foi no leito do cura, que dentro em pouco entrou a
arder. Quando o mancebo viu que era tempo de pôr em prática
o seu latim, veio depressa ao cura e disse-lhe:
- Prestole, mitis habet gaudium in suavi; quod si abundantia non est,
tu amittis tuum requiem.
Agora foi o cura que se pôs a correr, vendo o fogo já
crescido; e por este meio o mancebo aproveitou o latim que lhe havia ensinado
o senhor cura, para ensinar-lhe a não ridicularizá-lo mais
na presença do pai.
(De acordo com o latim do cura: “Padre, o gato tem fogo na cauda: portanto,
se não houver água, perderás teu leito”).