- Com efeito, meu querido, ele deu muita atenção a Teresa
no último sarau – disse a Sra. Malderton dirigindo-se ao marido,
o qual, após as canseiras do dia na City, sentado com um lenço
de seda na cabeça, os pés sobre o guarda-fogo, bebia seu
vinho. – Muita atenção, realmente; e repito que se deve dar-lhe
todo e qualquer estímulo. Não há dúvida que
ele deve ser convidado para jantar aqui.
- Quem? – perguntou o sr. Madelton.
- Bem, você sabe, meu querido, a quem estou me referindo: àquele
moço de suíças pretas e gravata branca que há
pouco veio ao nosso clube e de quem todas as moças falavam. É
o jovem... meu Deus! como se chama mesmo?... Mariana, lembra-me o nome
dele, - disse a Sra. Malderton voltando-se para a filha mais nova, que
estava ocupada em fazer uma bolsa de tricô e olhar sentimentalmente.
- Sr. Horácio Sparkins, mamãe – respondeu Mariana com
um suspiro.
- Isso mesmo! Horácio Sparkins – disse a Sra. Malderton.
- Decididamente é o jovem mais elegante que já vi na
minha vida. No casaco tão elegante que ele usava a noite passada,
parecia-se com... com...
- Com o príncipe Leopoldo, mamãe... tão nobre,
tão cheio de sentimento! – sugeriu Mariana, entusiasmada.
- Você não deve esquecer, meu querido – resumiu a Sra.
Malderton -, que Teresa tem agora 28 anos. É da maior importância
que se faça alguma coisa.
A Srta. Teresa Malderton era uma jovem muito pequena, gorducha,
de faces avermelhadas, mas de bom humor e ainda sem compromisso, embora
– para fazer-lhe justiça – tal desgraça não decorresse
absolutamente de sua falta de perseverança. Em vão tinha
namorado durante 10 anos. Em vão o Sr. e a Sra. Malderton mantinham
assiduamente relações com grande número de rapazes
solteiros e elegíveis de Camberwell, e até de Wandsworth
e Brixon, sem falar daqueles que ocasionalmente “caíam” na cidade.
A Sra. Malderton estava tão conhecida como o leão do topo
de Northumberland House e tinha a mesma probabilidade de “sair”.
- Estou certa de que você gostará dele – continuou a Sra.
Malderton. – Ele é tão galante!
- E tão hábil – acrescentou Mariana.
- E tão eloqüente – observou Teresa.
- Tem muito respeito a você, meu querido – disse a Sra. Malderton
ao esposo.
Ele tossiu e olhou para o fogo.
- Sim, estou certo de que ele tem o maior interesse em conhecer papai
– declarou Mariana.
- Sem a menor dúvida – ecoou Teresa.
- É verdade, ele me disse confidencialmente – voltou a Sra.
Malderton.
- Está bem – replicou o Sr. Malderton, algo lisonjeado. – Se
o encontrar amanhã no clube, talvez o convide. Naturalmente ele
sabe que moramos em Oak Lodge, não, minha querida?
- Naturalmente. Sabe também que você tem uma carruagem
de um cavalo.
- Vou ver isso – disse o sr. Malderton, dispondo-se a uma soneca.
O sr. Malderton era um homem cujo campo de idéias estava limitado
ao Lloyd’s, à Bolsa, à Indian Houve e ao Banco. Algumas especulações
bem sucedidas o levaram de uma situação de obscuridade e
relativa pobreza a um estado de abastança. Como tantas vezes acontece
em tais casos, suas idéias e as da sua família foram-se exaltando
em extremo, ao passo que lhe crescia a fortuna; todos afetavam elegância,
bom-gosto, e outras tolices, imitando seus superiores, e tinham um horror
muito decidido e característico a tudo quanto pudesse eventualmente
ser considerado baixo. Era hospitaleiro por ostentação, liberal
por ignorância, e cheio de preconceitos por presunção.
O egoísmo e o amor à exibição faziam-no manter
mesa excelente; a conveniência e o amor às coisas boas da
vida asseguravam-lhe grande número de convivas. Gostava de ter à
mesa homens hábeis ou que considerava tais, pois eram grande tema
para conversação, mas nunca pôde suportar aqueles a
quem chamava “camaradas espertos”. Provavelmente conseguiu comunicar este
sentimento a seus dois filhos, que nesse ponto não causavam nenhuma
inquietação ao responsável progenitor. A família
tinha a ambição de travar conhecimentos e relações
em qualquer esfera social superior à sua, e uma das conseqüências
de tal desejo, facilitada pela extrema ignorância em que estavam
de tudo quanto ficava além de seu estreito círculo, era que
toda pessoa pretendia conhecer gente da alta sociedade tinha seguro passaporte
para a mesa de Oak Lodge.
O aparecimento do sr. Horácio Sparkins no clube provocou, entre
os freqüentadores assíduos, extraordinária surpresa
e curiosidade. Quem podia ser? Ele era evidentemente reservado e visivelmente
melancólico. Um eclesiástico? Mas dançava bem demais.
Um advogado? Mas dizia que ainda não fora chamado a praticar. Empregava
palavras muito finas e era grande conversador. Seria algum estrangeiro
distinto vindo à Inglaterra que freqüentava jantares e bailes
públicos a fim de conhecer a alta-roda, a etiqueta, o requinte inglês?
Mas não tinha sotaque. Era um cirurgião, um colaborador de
revistas, um autor de romances, um artista? Não: a cada uma dessas
suposições, como ao conjunto delas, havia alguma objeção
válida. “De qualquer maneira – concordavam todos -, ele deve ser
alguém.: - “Deve ser, com certeza – dizia com seus botões
o sr. Malderton -, uma vez que percebe a nossa superioridade e nos dá
tamanha atenção.”
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