HORÁCIO SPARKINS
Charles Dickens

- Com efeito, meu querido, ele deu muita atenção a Teresa no último sarau – disse a Sra. Malderton dirigindo-se ao marido, o qual, após as canseiras do dia na City, sentado com um lenço de seda na cabeça, os pés sobre o guarda-fogo, bebia seu vinho. – Muita atenção, realmente; e repito que se deve dar-lhe todo e qualquer estímulo. Não há dúvida que ele deve ser convidado para jantar aqui.
- Quem? – perguntou o sr. Madelton.
- Bem, você sabe, meu querido, a quem estou me referindo: àquele moço de suíças pretas e gravata branca que há pouco veio ao nosso clube e de quem todas as moças falavam. É o jovem... meu Deus! como se chama mesmo?... Mariana, lembra-me o nome dele, - disse a Sra. Malderton voltando-se para a filha mais nova, que estava ocupada em fazer uma bolsa de tricô e olhar sentimentalmente.
- Sr. Horácio Sparkins, mamãe – respondeu Mariana com um suspiro.
- Isso mesmo! Horácio Sparkins – disse a Sra. Malderton.
- Decididamente é o jovem mais elegante que já vi na minha vida. No casaco tão elegante que ele usava a noite passada, parecia-se com... com...
- Com o príncipe Leopoldo, mamãe... tão nobre, tão cheio de sentimento! – sugeriu Mariana, entusiasmada.
- Você não deve esquecer, meu querido – resumiu a Sra. Malderton -, que Teresa tem agora 28 anos. É da maior importância que se faça alguma coisa.
A Srta. Teresa Malderton  era uma jovem muito pequena, gorducha, de faces avermelhadas, mas de bom humor e ainda sem compromisso, embora – para fazer-lhe justiça – tal desgraça não decorresse absolutamente de sua falta de perseverança. Em vão tinha namorado durante 10 anos. Em vão o Sr. e a Sra. Malderton mantinham assiduamente relações com grande número de rapazes solteiros e elegíveis de Camberwell, e até de Wandsworth e Brixon, sem falar daqueles que ocasionalmente “caíam” na cidade. A Sra. Malderton estava tão conhecida como o leão do topo de Northumberland House e tinha a mesma probabilidade de “sair”.
- Estou certa de que você gostará dele – continuou a Sra. Malderton. – Ele é tão galante!
- E tão hábil – acrescentou Mariana.
- E tão eloqüente – observou Teresa.
- Tem muito respeito a você, meu querido – disse a Sra. Malderton ao esposo.
Ele tossiu e olhou para o fogo.
- Sim, estou certo de que ele tem o maior interesse em conhecer papai – declarou Mariana.
- Sem a menor dúvida – ecoou Teresa.
- É verdade, ele me disse confidencialmente – voltou a Sra. Malderton.
- Está bem – replicou o Sr. Malderton, algo lisonjeado. – Se o encontrar amanhã no clube, talvez o convide. Naturalmente ele sabe que moramos em Oak Lodge, não, minha querida?
- Naturalmente. Sabe também que você tem uma carruagem de um cavalo.
- Vou ver isso – disse o sr. Malderton, dispondo-se a uma soneca.
O sr. Malderton era um homem cujo campo de idéias estava limitado ao Lloyd’s, à Bolsa, à Indian Houve e ao Banco. Algumas especulações bem sucedidas o levaram de uma situação de obscuridade e relativa pobreza a um estado de abastança. Como tantas vezes acontece em tais casos, suas idéias e as da sua família foram-se exaltando em extremo, ao passo que lhe crescia a fortuna; todos afetavam elegância, bom-gosto, e outras tolices, imitando seus superiores, e tinham um horror muito decidido e característico a tudo quanto pudesse eventualmente ser considerado baixo. Era hospitaleiro por ostentação, liberal por ignorância,  e cheio de preconceitos por presunção. O egoísmo e o amor à exibição faziam-no manter mesa excelente; a conveniência e o amor às coisas boas da vida asseguravam-lhe grande número de convivas. Gostava de ter à mesa homens hábeis ou que considerava tais, pois eram grande tema para conversação, mas nunca pôde suportar aqueles a quem chamava “camaradas espertos”. Provavelmente conseguiu comunicar este sentimento a seus dois filhos, que nesse ponto não causavam nenhuma inquietação ao responsável progenitor. A família tinha a ambição de travar conhecimentos e relações em qualquer esfera social superior à sua, e uma das conseqüências de tal desejo, facilitada pela extrema ignorância em que estavam de tudo quanto ficava além de seu estreito círculo, era que toda pessoa pretendia conhecer gente da alta sociedade tinha seguro passaporte para a mesa de Oak Lodge.
O aparecimento do sr. Horácio Sparkins no clube provocou, entre os freqüentadores assíduos, extraordinária surpresa e curiosidade. Quem podia ser? Ele era evidentemente reservado e visivelmente melancólico. Um eclesiástico? Mas dançava bem demais. Um advogado? Mas dizia que ainda não fora chamado a praticar. Empregava palavras muito finas e era grande conversador. Seria algum estrangeiro distinto vindo à Inglaterra que freqüentava jantares e bailes públicos a fim de conhecer a alta-roda, a etiqueta, o requinte inglês? Mas não tinha sotaque. Era um cirurgião, um colaborador de revistas, um autor de romances, um artista? Não: a cada uma dessas suposições, como ao conjunto delas, havia alguma objeção válida. “De qualquer maneira – concordavam todos -, ele deve ser alguém.: - “Deve ser, com certeza – dizia com seus botões o sr. Malderton -, uma vez que percebe a nossa superioridade e nos dá tamanha atenção.”
 

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