EU GENERAL!
- Coronel!
- Sinto-me no dever de comunicar-lhe a ocorrência de coisas muito
estranhas no acampamento.
-Diga, coronel.
- Sabe-se, de maneira positiva, que um dos nossos soldados sentiu ligeira
indisposição; daí a pouco aumentou o seu mal-estar;
mais tarde experimentou uma terrível ânsia no estômago
e acabou vomitando três corvos vivos.
- Vomitou o quê?
- Três corvos, meu general.
- Puxa!
- Nao lhe parece, meu general, que é um caso muito estranho?
- Estranho, realmente!
- E o que pensa a respeito?
- Coronel, nao sei o que pensar! Vou agora mesmo comunicar o fato ao
Ministério. São mesmo...
- Três corvos, meu general.
- Há de haver algum equívoco!
- Nao, meu general; sao três corvos.
- O coronel os viu?
- Nao, meu general, mas sao tres corvos.
- Bem, admito, embora nao o possa explicar; quem lhe deu a informação?
- O Comandante Epaminondas.
- Mande-o vir aqui imediatamente, enquanto eu transmito a notícia.
- Neste mesmo instante, meu general.
- Comandante Epaminondas!
- Pronto, meu general!
- Que história é essa dos três corvos que um dos
nossos soldados doentes vomitou?
- Três corvos?
- Eu sei de dois, nada mais, meu general; nao de três...
- Bem, dois ou três, pouco importa. A questão é
averiguar se realmente neste caso configuram corvos de verdade.
- Lá isso, configuram, meu general.
- Dois corvos?
- Sim, meu general.
- E como foi isso?
- Ora, a coisa mais simples, meu general. O soldado Pantaleão
deixou lá no seu povoado uma noiva que, segundo se diz, é
de fechar o comércio. Que olhos, meu general! Parecem duas estrelas.
Que boca! Olhar travesso, sorriso brincalhão, talhe flexível,
seios altos e uma covinha deliciosa em cada face...
- Comandante!
- Pronto, meu general!
- Seja breve e omita todos os pormenores inúteis.
- Às ordens, meu general!
- E os corvos, afinal de contas?
Bem: o rapaz estava triste com a dolorosa ausência daquela
de quem lhe falei, e nao queria provar o rancho, nem provar nada, até
que caiu doente do estômago e deu para vomitar, vomitar...
Num desses vômitos - zás! - dois corvos.
- Você teve ocasiao de ve-los?
- Nao, meu general; estou contando como me contaram.
- E quem lhe deu a notícia?
- O capitão Aristófanes.
- Está bem. Diga-lhe que venha aqui quanto antes.
- Agora mesmo, meu general!
- Sargento Esopo!
- Pronto, meu general.
- Que é que tem o soldado Pantaleão?
- Está doente, meu general.
- Mas que tem ele?
- Está lançando.
- Desde quando?
- Desde esta noite.
- A que hora vomitou a asa do corvo que dizem?
- Não vomitou asa nenhuma, meu general.
- Então, pedaço de asno, como é que você
foi dizer que o soldado Pantaleão tinha vomitado uma asa de
corvo?
- Com sua licença, meu general: eu desde pequeno que sei um
versinho que diz:
Eu tenho uma namorada
De olhos pretos como a noite
E a cabeleira tão preta
que nem as asas do corvo.
eu tenho uma namorada...
- Basta, seu idiota!
- Bem, meu general, o que se deu foi o seguinte: quando eu vi que o
meu companheiro estava vomitando uma coisa escura, me lembrei do versinho
e disse que ele tinha vomitado preto que nem a asa do corvo.
- Oh, diacho!
- Suma-se daqui, seu animal!
E o bravo chefe, batento com a mão na fronte, disse:
- Esta é boa! Creio que pus, na minha informação,
cinco ou seis corvos, como acontecimento extraordinário de
campanha.