Saber vender, poder vender, e vender! O público não desconfia
de todas as grandes coisas que Paris deve a essas três faces do mesmo
problema. O luxo de lojas tão ricas quanto os salões da nobreza
antes de 1789, o esplendor dos cafés que freqüentemente supera,
e muito facilmente, no do neo-Versailles, poema das exposições
nas vitrines, destruído todas as noites, reconstruído todas
as manhãs; a elegância e a graça dos jovens em contato
com as compradoras, as fisionomias sedutoras e a toalete das moças
que devem atrair os compradores; e, por fim, recentemente, as profundezas,
os espaços imensos e o luxo babilônico das galerias, onde
negociantes monopolizam as especialidades, reunindo-as – tudo isso não
é nada!... Trata-se, ainda, apenas de aprazer ao mais ávido
e mais gasto órgão que se desenvolveu no homem, desde a sociedade
romana, e cuja exigência tornou-se ilimitada, graças aos esforços
da refinadíssima civilização. Esse órgão
é o olho dos parisienses! Esse olho consome fogos de artifício
de cem mil francos, palácios de dois quilômetros de comprimento
por sessenta pés de altura, em vidros multicores, luminosos em catorze
teatros todas as noites, panoramas renascentes, contínuas exposições
de obras-primas, mundos de dores e universos de alegrias, em passeio pelas
avenidas ou errando pelas ruas; enciclopédias de frioleiras no carnaval,
vinte obras ilustradas por ano, mil caricaturas, dez mil vinhetas,litografias
e gravuras. Esse olho absorve cerca de quinze mil francos de gás
todas as noites; finalmente, para satisfazê-lo, a cidade de Paris
despende anualmente alguns milhões em propagandas e em decorações.
E isso ainda não é nada... Isso não é senão
o lado material da questão. Sim, quanto a nós, é pouca
coisa, em comparação com os esforços de inteligência,
de astúcia, dignas de Molière, empregadas pelos sessenta
mil caixeiros e as quarenta mil moças penduradas aos bolsos dos
compradores, como os milhares de peixinhos nos pedaços de pão
que flutuam nas águas do Sena.
O Gaudissart do lugar é pelo menos igual em recursos, em espírito,
em chiste, em filosofia, ao ilustre caixeiro-viajante que se tornou o protótipo
dessa tribo. Fora de sua loja, de sua função, ele é
como um balão sem gás; não deve as faculdades senão
ao seu meio de negociantes, como o ator que não é sublime
senão no seu teatro. Se bem que em relação aos outros
caixeiros da Europa, o francês tenha mais instrução,
para que possa, numa emergência, falar de asfalto, de Bal Mabille,
polca, literatura, livros ilustrados, estradas de ferro, política,
câmaras e revolução, ele é excessivamente tolo
quando deixa seu trampolim, seu poleiro, suas graças de encomenda;
mas ali, na corda tensa do balcão, a palavra nos lábios e
o olho na freguesia, o xale na mão, ele eclipsa o grande Talleyrand;
tem mais espírito que Désaugiers, mais finura que Cleópatra,
vale Monrose multiplicado por Molière. Talleyrand caçoaria
de Gaudissart na própria casa deste; mas em sua loja, Gaudissart
teria caçoado de Talleyrand.
Expliquemos esse paradoxo por um fato.
Duas bonitas duquesas tagarelavam ao lado deste ilustre príncipe,
queriam um bracelete. Esperavam, da casa do mais célebre joalheiro
de Paris, um caixeiro e os braceletes. Um Gaudissart chega munido de três
braceletes, três maravilhas, entre as quais as duas mulheres hesitam.
Escolher! É o lampejo da inteligência. Hesitais?... Já
sei, errastes. O gosto não tem duas inspirações. Por
fim, depois de dez minutos, o príncipe foi consultado; vê
as duas duquesas assoberbadas com as mil facetas da incerteza entre as
duas jóias mais notáveis; porque, logo de início uma
foi rejeitada. O príncipe não deixa sua leitura, não
olha para os braceletes, examina o caixeiro.
- Qual escolheria o senhor para a sua amiguinha? – pergunta-lhe.
O rapaz mostra uma das jóias.
- Nesse caso, pegue a outra, e fará a felicidade de duas mulheres,
- disse o mias fino dos diplomatas modernos – e o senhor, rapaz, faça
a felicidade de sua amiga. – As duas belas mulheres sorriem, o caixeiro
se retira, toa lisonjeado pelo presente que o príncipe acaba de
lhe fazer, quanto da boa opinião que o mesmo tem dele.
Uma mulher acompanhada de outra, desce de sua brilhante carruagem,
parada na rua Vivienne, diante de um desses suntuosos magazines onde se
vendem xales. As mulheres são quase sempre duas para esta espécie
de expedições. Todas, em circunstâncias semelhantes,
passeiam em dez lojas, antes de se decidirem; e, no intervalo entre uma
e outra, zombam da comediazinha que os caixeiros representam. Examinemos
quem desempenha melhor o seu papel: a compradora ou o vendedor? Qual dos
dois leva vantagem nesta pequena encenação?
Quando se trata de descrever o maior feito do comércio parisiense,
a Venda! Deve-se criar um tipo sintetizando nele a questão. Ora,
aqui o xale ou a correntinha de mil escudos, causarão mais emoções
que a peça de cambraia, que o vestido de trezentos francos.
Porém, ó estrangeiros dos dois mundos! Se apesar de tudo
tomastes conhecimento da fisiologia da fatura, sabei que esta cena se desenrola
nas lojas de novidades, pela barege (espécie de lã), de dois
francos ou pela musselina estampada, de quatro francos o metro!
Como ireis desconfiar, princesas ou burguesas, desse belo rapazinho
de rosto aveludado e colorido como um pêssego, de olhos cândidos,
vestido quase tão bem quanto o vosso... o vosso primo, e dotado
de uma voz tão doce como a lã que vos desdobra? Há
três ou quatro assim: um de lhos negros, semblante decidido, que
vos diz: “Aqui está!” com um ar imperial. Outro tem olhos azuis,
maneira tímidas, frases submissas e de quem se diz: “Pobre criança!
Não nasceu para o comércio!...” Este, castanho claro, olhos
amarelos e sorridentes, a frase aprazível, e dotado de uma atividade,
de uma alegria meridionais. Aquele, vermelho fulvo, barba em leque, angustiado
como um comunista, severo, imperioso, de gravata fatal, e com discursos
breves. Essas diferentes espécies de caixeiro, que respondem aos
principais caracteres de mulheres, são os braços de seu patrão,
um gordo bonachão, de alegre figura, meio calvo, com ventre de deputado
ministerial, às vezes condecorado com a Legião de Honra por
ter mantido a superioridade da indústria francesa, oferecendo linhas
de uma rotundidade satisfatória, tendo mulher, filhos, casa de campo
e conta no banco. Esse personagem desce à arena, à maneira
do deus ex machina, quando a intriga muito embaralhada exige uma rápida
solução. Assim, as mulheres são cercadas de bonomia,
de juventude, de graças, de sorrisos, de delicadezas, disso que
a humanidade civilizada oferece de mais simples, de mais enganadoramente
sedutor, de perfeitamente arrumado por nuanças, para todos os gostos.
Uma palavra sobre os efeitos naturais de ótica, de arquitetura,
de decoração; uma palavra curta, decisiva, terrível;
uma palavra que é a história feita no próprio local.
O livro em que ledes esta página instrutiva é vendido na
r. de Richelieu, 76, num elegante bazar, branco e ouro, forrado de veludo
vermelho, que possuía uma peça na sobreloja, onde a luz se
expande amplamente da Rua Ménars, e vem, como uma pintura, franca,
pura, limpa, sempre igual a si mesma. Que passante não admirou o
persa, o rei da Ásia que se posta na esquina da rua da Bolsa, encarregado
de dizer urbi et orbi; - “Eu reino aqui mais tranqüilamente que em
Laore”. Em quinhentos anos, essa escultura na rua poderia, sem esta imortal
análise, ocupar os arqueólogos, fazer escrever volumes in-quatro
com figuras, como o de M. de Quatremère sobre o Júpiter Olímpico,
e onde se demonstraria que Napoleão foi um pouco sofi (sofi – título
do xá da Pérsia) em alguma região do Oriente, antes
de ser imperador dos franceses. Pois bem, esse rico magazine se estabeleceu
na pobre sobrelojazinha, e, a golpes de cheques bancários, tomou-a
para si. A COMÉDIA HUMANA cedeu lugar à comédia das
casimiras. O persa sacrificou alguns diamante de sua coroa para obter esse
dia tão necessário...
Voltemos aos jovens, àquele quadragenário condecorado,
recebido pelo rei dos franceses à sua mesa, àquele primeiro-caixeiro
de barba ruça e ar autocrático. Esses Gaudissarts eméritos
são medidos com mil caprichos por semana e conhecem todas as vibrações
da corda-casimira do coração das mulheres. Quando uma prostituta,
uma dama respeitável, uma jovem mãe de família, uma
elegante, uma duquesa, uma inocente senhorinha, uma estrangeira inocentíssima
se apresentam, cada uma delas é bem depressa analisada por aqueles
sete ou oito homens, que a estudam no momento em que ela pôs a mão
na maçaneta da porta, e que se postam junto às janelas, ao
balcão, à porta, num ângulo, no meio da loja, tendo
um ar de pensar nas alegrias de um domingo arrebatador; examinando-os,
perguntamos mesmo: - Em que podem eles pensar? A bolsa de uma mulher, seus
desejos, intenções, fantasias, são então melhor
dissecados, num minuto do que em sete quartos de hora uma carruagem suspeita,
na fronteira, é revistada pelos empregados da alfândega. Esses
inteligentes espertalhões, sérios como os pais nobres da
tragédia, viram tudo, os pormenores do arranjo, uma invisível
marca de lama na botinha, uma copa de chapéu antiquada, uma fita
de chapéu suja ou mal-escolhida, o corte e o feitio do vestido,
o estado de conservação das luvas, o vestido cortado pelos
inteligentes costureiros de Vitorina, a jóia de Froment-Meurice,
a bijuteria da moda, enfim, tudo que pode, numa mulher, trair sua qualidade,
sua fortuna, seu caráter. Tremei! Esse sinédrio de Gaudissarts,
presidido pelo patrão, jamais se engana. Além disso, as idéias
de cada um são transmitidas ao outro com uma rapidez telegráfica,
por olhares, tiques, sorrisos, movimentos de lábios que, observando-os,
diríeis o súbito iluminar-se da Av dos Campos Elíseos,
onde o gás voa de candelabro para candelabro, como aquela idéia
alumia o fundo dos olhos de caixeiro para caixeiro.
E, bem depressa, se se trata de uma inglesa, o Gaudissart sombrio,
misterioso e fatal avança, como um personagem de lorde Byron.
Se é uma burguesa, designa-se o mais velho dos caixeiros; ele
lhe mostra cem xales num quarto de hora, deslumbra-a com as cores, os desenhos,
desdobra tantos xales quantas voltas descreve um milhafre em torno de um
coelho; e, ao fim de meia hora, maravilhada, e não sabendo o que
escolher, a digna burguesa recorre ao caixeiro, que a coloca entre os extremos
deste dilema, e as iguais seduções de dois xales: - “Este,
senhora, é mais vantajoso, é verde-maçã, a
cor da moda; mas a moda muda, enquanto este aqui (o negro ou o branco do
qual a venda é urgente), não verá seu fim, e combina
com todas as toaletes.”
Isto é o a b c da profissão.
- Vocês não podem imaginar de quanta eloquência
se precisa nesta profissão ingrata – dizia ultimamente o primeiro
Gaudissart do estabelecimento, falando a dois de seus amigos, Duronceret
e Bixou, vindos para comprar um xale, e confiando-lhe a escolha. – Vejam
bem, vocês são artistas discretos e posso falar-lhes das astúcias
do nosso patrão, que certamente é o homem mais forte que
já vi. Ele inventou o xale-Selim, um xale impossível
de se vender, e que vendemos sempre. Guardamo-lo numa caixa de cedro, muito
simples, forrada de cetim, um xale de quinhentos a seiscentos francos,
um desses xales enviados por Selim a Napoleão. Este xale é
a nossa Guarda Imperial, fazemo-lo avançar em desespero de causa:
ele se vende e não morre.
Naquele momento uma inglesa saiu de uma carruagem e se mostrou no belo
ideal de sua fleuma, particular à Inglaterra e a todos os seus produtos
pretendidamente animados.
- A inglesa – disse ele ao ouvido de Bixou – é a nossa batalha
de Waterloo. Temos mulheres que nos escorregam das mãos como enguias,
apanhamo-las na escada; meretrizes que caçoam de nós, rimos
com elas, as seguramos pelo crédito; estrangeiras indecifráveis,
a cuja resistência levamos diversos xales e com as quais nos entendemos;
mas com a inglesa é lutar com o bronze da estátua de Luís
XIV. Essas mulheres acostumam-se a uma ocupação, a um prazer
de pechinchar... Elas nos fazem de otários, veja só!...
O caixeiro romanesco avançara.
- A senhora deseja seu xale das Índias, ou da França,
a preços alto, ou...
- Eu ver.
- Quanto a senhora quer despender?
Voltando-se para apanhar os xales e expor sobre o cabide, o caixeiro
lançou aos seus colegas um olhar significativo (Que estopada!),
acompanhado de um imperceptível movimento de ombros.
- Eis aqui as nossas mais belas qualidades em vermelho das índias,
em azul, em alaranjado; todos são de dez mil francos... Eis os de
cinco mil e os de três mil.
A inglesa, com uma indiferença profunda, olhou de soslaio ao
seu redor, antes de olhar para as três exibições, sem
dar sinal de aprovação ou reprovação.
- O senhor ter outras? – pergunta ela.
- Sim, minha senhora, mas a senhora talvez não esteja muito
decidida a comprar um xale?
- Hô! Muito decidido.
E o caixeiro foi procurar xales de preço inferior; porém,
exibe-os solenemente, como dizendo: “Atenção para essas magnificências!”
- Estes são muito mais caros, - disse ele – não foram
despachados, vieram por mensageiros e são comprados diretamente
de Laore.
- Hô! Eu compreende – disse ela – ser para mim muita melhor.
O caixeiro permaneceu sério, malgrado sua irritação.
A inglesa, sempre fria como uma planta aquática, parecia feliz com
sua fleuma.
- Que preço? – perguntou ela, mostrando um xale azul-celeste,
coberto de pássaros.
- Sete mil francos.
Ela tomou o xale, envolveu-se nele, olhou no espelho e disse, devolvendo-o:
“Non, eu não gostar nada.”
Um bom quarto de hora transcorre nesses ensaios infrutíferos.
- Não temos mais nada, minha senhora, disse o caixeiro, olhando
o patrão.
- A senhora é difícil como todas as pessoas de bom gosto
– disse o chefe do estabelecimento, avançando, com aquelas graças
de lojista, onde o despretensioso e o chocarreiro se misturam agradavelmente.
A inglesa tomou o seu lornhão e mediu o fabricante da cabeça
aos pés.
- Só me resta um único xale, mas eu nunca o mostro; -
retornou ele – pessoa nenhuma o achou de seu gosto, é muito extravagante;
e esta manhã eu pensava em dá-lo à minha mulher.
- Vejamos, senhor.
- Vá buscá-lo! Disse o patrão a um caixeiro –
está na minha casa...
- Eu ser muita mais satisfeita de ver – respondeu a inglesa.
A resposta foi um triunfo, porque essa mulher cacete parecia a ponto
de ir embora.
- Custou sessenta mil francos na Turquia, minha senhora.
- Hô!
- É um dos sete xales enviados por Selim ao imperador Napoleão.
A imperatriz Josefina, muito caprichosa, trocou-o por um desses trazidos
pelo embaixador turco e que meu predecessor tinha comprado; mas nunca alcançou
preço; porque em França, nossas mulheres não são
tão ricas quanto na Inglaterra... Este xale vale sete mil francos
que, certamente, representam catorze ou quinze, pelos interesses compostos...
- Compostas de que? – disse a inglesa.
- Aqui está, senhora.
E o patrão, tomando precauções de demonstradores
do Grune-gewelbe (museu histórico e artístico), abriu com
uma chave minúscula uma caixa quadrada, feita de cedro, cuja forma
e simplicidade causaram profunda impressão na inglesa. Dessa caixa
saiu um xale de cerca de mil e quinhentos e francos, amarelo ouro, com
desenhos negros, em que o colorido não era ultrapassado senão
pela bizarria das invenções indianas.
- Splendid! – disse a inglesa – é verdadeiramente belo... Eis
my ideal de xale, it is very magnificent...
O resto foi perdido na pose de madona que ela tomou para mostras seus
olhos sem calor, que acreditava belos.
- O imperador Napoleao admirava-o muito, serviu...
- Muita – repetiu ela.
Tomou o xale, envolveu-se nele, examinou-o O patrão retomou
o xale, veio à luz do dia esfregá-lo, manuseou-o, fê-lo
brilhar; dedilhou como Liszt dedilha o piano.
- É very fine, beautiful, sweet – disse a inglesa com a expressão
tranqüila.
Duronceret, Bixiou, os caixeiros trocaram olhares de prazer que significavam
“o xale está vendido”.
- E então, senhora? – perguntou o negociante, vendo a inglesa
absorta numa espécie de contemplação.
- Decididamente –disse ela – eu amar melhor uma carruagem!
Um mesmo sobressalto animou os caixeiros silenciosos e atentos, como
se algum fluido elétrico os tivesse tocado.
- Tenho uma linda, senhora, - respondeu o patrão – ela me veio
de uma princesa russa, a princesa Narzicoff, que me deixou em pagamento
de fornecimentos; se a senhora quiser vê-la, ficará maravilhada;
é nova, não rodou dez dias e não tem igual em Paris.
A estupefação dos caixeiros foi contida por uma profunda
admiração.
- Quero muito – respondeu ela.
- A senhora pode conservar o xale – disse o negociante – verá
que efeito tem na carruagem.
O negociante foi buscar as luvas e o chapéu.
- Como acabará isso? – disse o primeiro caixeiro.
Isto, para Duronceret e Bixiou teve o atrativo de um fim de romance,
ou por outra, o interesse particular de todas as lutas, mesmo mínimas,
entre Inglaterra e França. Vinte minutos depois o patrão
voltou.
- Vá ao Hotel Lawson, eis o cartão. Miss Noswell. Leve
a fatura que lhe vou dar, há seis mil francos a receber.
- Como o conseguiu? – perguntou Duronceret, saudando o rei da fatura.
- Ora, senhor, reconheci essa natureza de mulher excêntrica;
ela adora ser notada; quando viu que todo o mundo olhava para seu xale,
disse-me: “Decididamente, guarde a sua carruagem, senhor, fico com o xale.”-
Enquanto o senhor Bigorneau – disse ele, mostrando o romanesco caixeiro
– lhe desdobrava xales, eu examinava a nossa mulher, que lhes dirigia o
lornhão, para saber que idéia tinham dela, ocupava-se mais
de vocês que dos xales. As inglesas têm uma falta de gosto
particular (porque eu não posso dizer um gosto), não sabem
o que querem e se decidem a comprar uma coisa, mais por uma circunstância
fortuita do que pelo seu valor. Reconheci uma dessas mulheres entediadas
do marido, de seus moleques, virtuosa a contragosto, em busca de emoções
e sempre fantasiadas de carpideiras...
Eis, literalmente, o que disse o chefe do estabelecimento.
Isso prova que no negociante de qualquer outro país não
há senão um negociante; enquanto que na França, e
sobretudo em Paris, há um homem egresso do colégio real,
instruído, que ama as artes, ou a pesca, ou o teatro, ou devorado
pelo desejo de ser sucessor do senhor Cunin-Cridaine, ou coronel da guarda
nacional, ou membro do Conselho Geral do Sena, ou Juiz do Tribunal do Comércio.
- Senhor Adolfo, - disse a mulher do fabricante ao seu pequeno caixeiro
louro – encomende uma caixa de cedro no marceneiro.
- E, - disse o caixeiro, reconduzindo Duronceret e Bixiou, que tinham
escolhido um xale para a senhora Schontz – nós vamos escolher entre
nossos velhos xales aquele que poderá desempenhar o papel do xale
de Selim.