O Rei dos gatos
Stephen Vincent Benét
 
 

Mas, minha querida – disse Mrs. Culverin, com uma exclamação – você quer dizer... uma cauda?
Mrs. Dingle assentiu:
- Isso mesmo. Vi-o duas vezes. Em Paris, claro, e depois em Roma. Estávamos no camarote real. Ele regeu (minha querida, nunca ninguém jamais conseguiu obter tanto de uma orquestra), ele regeu, minha querida, com ela.
- A coisa é tão fascinante e tão horrível que mal pode ser dita com palavras comuns! – disse Mrs. Culverin numa voz admirada, mas ansiosa. – Devemos convidá-lo para jantar tão logo chegue. Está para chegar, não está?
- Chega no dia doze – respondeu Mrs. Dingle, com os olhos brilhantes. – O pessoal da New Sinphony convidou-o para reger três concertos especiais. Espero que você possa vir jantar conosco uma das noites em que ele esteja aqui. Estará certamente cheio de compromissos, mas prometeu dedicar-nos todo o tempo de que puder dispor...
- Muito obrigada, querida – disse Mrs. Culverin, com ar abstrato, lembrando-se da vez em que roubara a Mrs. Dingle um hóspede favorito, um romancista inglês. – Você é toa deliciosamente hospitaleira... mas não deve fadigar-se demais... todos nós devemos colaborar... estou certa de que Henry gostaria, tanto quanto eu...
- Isso é muita delicadeza de sua parte, querida – Mrs. Dingle também não esquecera o roubo do novelista britânico. – Mas pretendemos receber Mousieur Tybalt (lindo nome, não? Dizem que ele descende dos  Tybalt de  Romeu e Julieta e acho que é por isso que ele não gosta de Shakespeare), pretendemos recebê-lo do modo o mais singelo possível: uma pequena recepção depois de seu primeiro concerto, talvez. Ele odeia – olhou em torno da mesa – festas com muita gente ou muita mistura. Depois, é preciso levar em conta sua... annn... sua pequena idiossincrasia... – tossiu delicadamente. – Fa-lo-a sentir-se pouco à vontade diante de estranhos.
- Ainda não entendi, tia Emily – disse Tommy Brooks, sobrinho de Mrs. Dingle. – A senhora quer mesmo dizer que esse tal de Tibault tem uma cauda? Como um macaco ou outro bicho?
- Querido Tommy – disse Mrs. Culverin, admoestadoramente – em primeiro lugar, Monsieur Tibault não é um tal; é um músico muito famoso, um dos melhores regentes europeus. E, em segundo lugar...
- Tem, sim – Mrs. Dingle era positiva. – Tem uma cauda. E rege com ela.
- Oh! Mas sinceramente! – disse Tommy, as orelhas ardendo. – Quero dizer... claro, tia Emily, se a senhora diz que ele tem, acredito que tenha mesmo... mas ainda assim parece muito gozado, se entende o que quero dizer. Que acha, Professor Tatto?
O professor limpou a garganta:
- Hmm – fez, juntando cuidadosamente as pontas dos dedos. – Estou ansioso por conhecer este Monsieur Tibault. De minha parte, nunca tive oportunidade de ver um espécime genuíno de homo caudatus, de modo que tenho algumas dúvidas, embora... Na Idade Média, a crença em homens com apêndices caudais deste ou daquele tipo, estava generalizada e, pelo que sabemos, tinha sua razão de ser. Lá pelo século 18, um capitão da marinha holandesa referiu a descoberta de um casal de tais criaturas na Ilha Formosa. Vivam em baixo nível de civilização, creio, mas os apêndices em questão eram bem visíveis. E em 1860, o doutor Grimbroock, cirurgião inglês,  pretendia ter tratado nada menos que três nativos africanos que tinham caudas curtas, mas insofismáveis, posto que a veracidade do seu testemunho repouse unicamente na sua palavra. Afinal de contas, a coisa não é impossível, embora  seja fora do comum. Pés membranosos e guelras rudimentares costumam aparecer com certa freqüência. Todos temos um apêndice. A linha do nosso desenvolvimento, a partir dos antropóides, ainda não se completou totalmente. Por isso – lançou um olhar aos circunstantes – não poderíamos considerar as últimas vértebras da espinha normal como o começo de uma cauda rudimentar e oculta? Oh, sim... sim... é possível... muito possível... que num caso extraordinário... uma reversão ao arquétipo... uma sobrevivência... muito embora...
- Bem que eu lhe disse – afirmou triunfante, Mrs. Dingle. – Não é mesmo fascinante? Não acha, princesa?
Os olhos da Princesa Vivrakanarda, azuis como um campo de miosótis e insondáveis como o mistério do céu, pousaram levemente, por um momento, no rosto excitado de Mrs. Dingle.
Mui-to fascinante – disse ela, numa voz veludosa. – Gostaria... gostaria mui-to de conhecer esse Mousieur Tibault.

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