Mas, minha querida – disse Mrs. Culverin, com uma exclamação
– você quer dizer... uma cauda?
Mrs. Dingle assentiu:
- Isso mesmo. Vi-o duas vezes. Em Paris, claro, e depois em Roma. Estávamos
no camarote real. Ele regeu (minha querida, nunca ninguém jamais
conseguiu obter tanto de uma orquestra), ele regeu, minha querida, com
ela.
- A coisa é tão fascinante e tão horrível
que mal pode ser dita com palavras comuns! – disse Mrs. Culverin numa voz
admirada, mas ansiosa. – Devemos convidá-lo para jantar tão
logo chegue. Está para chegar, não está?
- Chega no dia doze – respondeu Mrs. Dingle, com os olhos brilhantes.
– O pessoal da New Sinphony convidou-o para reger três concertos
especiais. Espero que você possa vir jantar conosco uma das noites
em que ele esteja aqui. Estará certamente cheio de compromissos,
mas prometeu dedicar-nos todo o tempo de que puder dispor...
- Muito obrigada, querida – disse Mrs. Culverin, com ar abstrato, lembrando-se
da vez em que roubara a Mrs. Dingle um hóspede favorito, um romancista
inglês. – Você é toa deliciosamente hospitaleira...
mas não deve fadigar-se demais... todos nós devemos colaborar...
estou certa de que Henry gostaria, tanto quanto eu...
- Isso é muita delicadeza de sua parte, querida – Mrs. Dingle
também não esquecera o roubo do novelista britânico.
– Mas pretendemos receber Mousieur Tybalt (lindo nome, não? Dizem
que ele descende dos Tybalt de Romeu e Julieta e acho que é
por isso que ele não gosta de Shakespeare), pretendemos recebê-lo
do modo o mais singelo possível: uma pequena recepção
depois de seu primeiro concerto, talvez. Ele odeia – olhou em torno da
mesa – festas com muita gente ou muita mistura. Depois, é preciso
levar em conta sua... annn... sua pequena idiossincrasia... – tossiu delicadamente.
– Fa-lo-a sentir-se pouco à vontade diante de estranhos.
- Ainda não entendi, tia Emily – disse Tommy Brooks, sobrinho
de Mrs. Dingle. – A senhora quer mesmo dizer que esse tal de Tibault tem
uma cauda? Como um macaco ou outro bicho?
- Querido Tommy – disse Mrs. Culverin, admoestadoramente – em primeiro
lugar, Monsieur Tibault não é um tal; é um músico
muito famoso, um dos melhores regentes europeus. E, em segundo lugar...
- Tem, sim – Mrs. Dingle era positiva. – Tem uma cauda. E rege com
ela.
- Oh! Mas sinceramente! – disse Tommy, as orelhas ardendo. – Quero
dizer... claro, tia Emily, se a senhora diz que ele tem, acredito que tenha
mesmo... mas ainda assim parece muito gozado, se entende o que quero dizer.
Que acha, Professor Tatto?
O professor limpou a garganta:
- Hmm – fez, juntando cuidadosamente as pontas dos dedos. – Estou ansioso
por conhecer este Monsieur Tibault. De minha parte, nunca tive oportunidade
de ver um espécime genuíno de homo caudatus, de modo que
tenho algumas dúvidas, embora... Na Idade Média, a crença
em homens com apêndices caudais deste ou daquele tipo, estava generalizada
e, pelo que sabemos, tinha sua razão de ser. Lá pelo século
18, um capitão da marinha holandesa referiu a descoberta de um casal
de tais criaturas na Ilha Formosa. Vivam em baixo nível de civilização,
creio, mas os apêndices em questão eram bem visíveis.
E em 1860, o doutor Grimbroock, cirurgião inglês, pretendia
ter tratado nada menos que três nativos africanos que tinham caudas
curtas, mas insofismáveis, posto que a veracidade do seu testemunho
repouse unicamente na sua palavra. Afinal de contas, a coisa não
é impossível, embora seja fora do comum. Pés
membranosos e guelras rudimentares costumam aparecer com certa freqüência.
Todos temos um apêndice. A linha do nosso desenvolvimento, a partir
dos antropóides, ainda não se completou totalmente. Por isso
– lançou um olhar aos circunstantes – não poderíamos
considerar as últimas vértebras da espinha normal como o
começo de uma cauda rudimentar e oculta? Oh, sim... sim... é
possível... muito possível... que num caso extraordinário...
uma reversão ao arquétipo... uma sobrevivência... muito
embora...
- Bem que eu lhe disse – afirmou triunfante, Mrs. Dingle. – Não
é mesmo fascinante? Não acha, princesa?
Os olhos da Princesa Vivrakanarda, azuis como um campo de miosótis
e insondáveis como o mistério do céu, pousaram levemente,
por um momento, no rosto excitado de Mrs. Dingle.
Mui-to fascinante – disse ela, numa voz veludosa. – Gostaria... gostaria
mui-to de conhecer esse Mousieur Tibault.
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