O Caminho da Bruxa

Gustavo Adolfo Bécquer

Há coisa de dois ou três anos os jornais de Saragoça publicaram a história dum crime verificado num povoado dessa região. Tratava-se do assassinato duma pobre velha a quem seus vizinhos acusavam de bruxa. Ultimamente, e por estranha coincidência, tive ocasiao de conhecer os detalhes e a história dum fato que se situa apenas na metade dum século tão preocupado como o nosso. (Da minha cela – Sexta carta).

Tendo-me perdido quando me dirigia à Trasmós, para visitar seu famoso castelo, encontrei-me embrenhado no mais espesso do monte e sem saber como me orientar. Andei ao acaso, um bom pedaço de tarde até que, por último, no fundo dum despenhadeiro, topei com um pastor, o qual dava de beber a seu rebanho num pequeno riacho que, depois de correr sobre um leito de pedras de mil cores, saltava e ali se retorcia com um ruído particular se ouvia a grande distância, em meio do profundo silêncio da natureza que, naquele ponto e naquela hora, parecia muda ou adormecida.

Perguntei ao pastor o caminho do povoado, o qual, segundo minhas contas, não devia ficar muito longe do lugar em que nos encontrávamos, porquanto, ainda que sem direcao fixa, eu tinha procurado ir sempre na direcao que me haviam indicado. O bom homem respondeu minha pergunta o melhor que pôde, e já me dispunha a continuar minha desnorteada viagem, subdino com pés e mão, e dirigindo o cavalo como Deus me dava a entender, por entre uns pedregulhos eriçados de matagais e pontas, quando o pastor, que de longe me via subir, gritou para me avisar que não tomasse o Caminho da tia Casca, se quisesse chegar são e salvo. A verdade é que o caminho, que enganadamente tinha tomado, se fazia cada vez mais áspero e difícil. Por um lado, havia uma grande sombra produzida pelas altíssimas rochas, que pareciam suspensas sobre minha cabeça, enquanto por outro, o barulho vertiginoso da água que corria profunda a meus pés, onde começava a se elevar uma névoa azul e inquieta, que se estendia pelo vale manchando os objetos e as cores, pareciam contribuir para turvar a vista e fazer o espírito sentir uma sensacao de penoso mal-estar, o qual, vulgarmente, se poderia chamar de prelúdio de medo. Voltei pés atrás, desci novamente para onde se encontrava o pastor e, enquanto saíamos juntos por um atalho que se dirigia ao povoado, onde também ia passar a noite, o meu guia improvisado, não pude deixar de lhe perguntar, com alguma insistência, porquê, fora as dificuldades que me oferecia a subida, era tão perigoso escalar até o cume pelo caminho que chamara da tia Casca.

Ao ouvir estas palavras o pastor, que caminhava na minha frente para me mostrar o caminho, deteve-se um pouco e, fixando nos meus seus olhos assombrados, como para verificar se eu estava brincando, exclamou com um acento de espantosa boa fé:

O pastor, convencido do interesse que eu demonstrava em escutar sua história, e de que eu não era "um desses senhores da cidade" dispostos a zombar de sua narracao, levantou a mão na direcao de um dos picos do cume e começou, assim, indicando-me uma das rochas que se destacava, escura e imponente, sobre o fundo cinza do céu, que o sol, num poente atrás de nuvens, tingia de tons avermelhados:

Nesta altura, o pastor se deteve um momento e, depois de lançar uma vista de olhos à sua volta, continuou assim:

A noite já se fizera completa, sombria e nebulosa. A lua se mostrava apenas em intervalos através dos espaços entre as nuvens que erravam à nossa volta, quase roçando na terra. E os sinos de Trasmós se faziam ouvir, lentamente, nos seus repiques de oracoes, como no final da terrível história que me acabavam de contar.